DINAMARCO, Cândido Rangel. Fundamentos do processo civil moderno. v.2, 2.ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2002, vol. 1, p. 424.
O trabalho tem como referencial teórico a obra supracitada, de Cândido Rangel Dinamarco, no trecho que aborda os aspectos político-jurídicos mais importantes relacionados ao instituto da ação popular, e também a necessidade do concreto caráter lesivo do ato que se pretende impugnar.
A ação popular é remédio daquilo que
se denomina jurisdição constitucional, que visa
proteger interesses transindividuais, aprimorando a
defesa do interesse público e da moral
administrativa.
A fonte da ação popular é o direito romano. Em Roma
já existiam ações que poderiam ser propostas por
aqueles que possuíssem interesse pela coisa pública,
mesmo considerando que àquela época ainda não estava
bem delineada a noção de Estado.
No Brasil, houve a previsão na Constituição de 1934,
todavia sem a regulamentação respectiva. A Carta de
1937, por razões sabidas, não abordou o assunto, e a
Constituição de 1946 restabeleceu a ação popular, que
foi posteriormente regulamentada pela Lei nº 4.717, de
29 de junho de 1965.
O artigo 5º, inciso LXXIII, da
Constituição Federal de 1988 estabelece que "Qualquer
cidadão é parte legítima para propor ação popular que
vise a anular ato lesivo ao patrimônio público ou de
entidade de que o Estado participe, à moralidade
administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio
histórico e cultural, ficando o autor, salvo
comprovada má-fé, isento de custas judiciais e do ônus
da sucumbência".
Exige-se, por conseguinte, não somente a qualidade
de nacional, mas a de cidadão, ou seja, a pessoa
precisa estar na posse de seus direitos políticos. A
cidadania implica a nacionalidade, na medida em que
todo cidadão é também nacional; nem todo nacional, no
entanto, é cidadão. Não podem ser impetrantes as
pessoas jurídicas nem as físicas que não disponham de
suas prerrogativas cívicas, seja porque nunca as
adquiriram, seja porque delas decaíram, de modo
provisório ou permanente.
Tem cunho de ação coletiva, porque o interesse diz
respeito ao bem geral. A coletividade é a beneficiária
da possível anulação do ato impugnado, e o cidadão
atua em nome próprio mas por interesse alheio
(substituto processual), diretamente relacionado à
comunidade. Há autores (Celso Ribeiro Bastos, Luiz
Alberto David Araújo, Vidal Serrano Nunes Júnior e
José Afonso da Silva) que afirmam que o autor da ação
popular age em nome próprio e no exercício de um
direito seu, assegurado constitucionalmente, apesar de
interessar diretamente à comunidade.
O estudo mostra a importância política da faculdade
de pleitear a remoção, judicialmente, da eficácia de
atos ilegítimos dos agentes públicos. O membro ativo
da sociedade política alça-se à condição de um efetivo
participante do fenômeno estatal e do processo que
determina os destinos da coisa pública, isto é, do bem
da coletividade.
É dada ênfase especial aos aspectos políticos que
envolvem a função jurisdicional, e ainda à ação popular
como um veículo eficaz de participação política do
cidadão na vida da sociedade. Conforme a visão de
Cândido Rangel Dinamarco, a tônica central está no
âmbito político da ação popular, porque o cidadão é
erigido em guardião dos interesses comunitários,
legitimado que é para agir em favor da moralidade
administrativa e do patrimônio comum.
É certo que o controle dos atos de outro Poder faz
parte do sistema que estabelece entre as funções
políticas do Estado (Executiva, Legislativa e
Judiciária) a independência, a harmonia e especialmente
o equilíbrio, um fiscalizando e "contendo" as
atividades do outro. No entanto, também é preciso
esclarecer que tal controle, no que concerne ao assunto
em questão, não pode avançar além do necessário à
verificação da legalidade dos atos administrativos,
nunca acerca dos aspectos intrínsecos, para tratar da
justiça ou não deles, da oportunidade ou não, da
conveniência ou inconveniência. O objeto do controle,
por conseguinte, há de se restringir aos aspectos
legais, porque não se pode substituir a
discricionariedade do administrador pela do juiz.
A lei que regula a Ação Popular fala em "anulação ou
declaração de nulidade de atos lesivos". O
entendimento mais razoável é o de que a lesividade
pressupõe a ilegalidade. Do ponto de vista político,
justifica-se a utilização do instituto para se buscar a
integridade do patrimônio que pertence à coletividade
(meros vícios não são suficientes à propositura da
demanda). No que respeita ao aspecto técnico-jurídico,
não se justifica a anulação de ato carregado de vício
se disso não resultar dano.
Não é legítima nem cabível a propositura da ação
popular quando se está diante de uma mera capacidade
abstrata de causar dano hipotético, num futuro incerto
e na simples suposição da ocorrência de circunstâncias
apenas imagináveis, mas não comprovadas no
processo.
Ato lesivo, portanto, é aquele que seja portador
concreto de dano efetivo ao patrimônio comum. Não há
de se permitir suposições, abstrações, elucubrações nem
conjeturas como aptas a ensejar o manejo do remédio
jurídico-constitucional.
Daí que se menciona a necessidade do concreto
caráter lesivo do ato impugnado. Importa assinalar o
entendimento de Hely Lopes Meirelles, que ao discorrer
sobre a lesão poder ser efetiva ou potencial
(latente), afirma que "ato lesivo é toda manifestação
de vontade da Administração danosa aos bens e
interesses da comunidade", e a lesão potencial é
aquela que a decisão administrativa fatalmente trará,
quando vier a ser objeto de efetiva execução pelos
órgãos do Estado. O que não se permite é a lesão
hipotética, que poderia gerar uma sentença
condicional, proibida pela lei processual civil.
Além disso, se o ato se realizou e não causou nenhum
prejuízo, se prejuízo algum foi provado, ou se não foi
sequer alegado, a declaração de eventual nulidade
corresponderia a uma exagerada postura formal, que toda
a moderna doutrina repele.
Cândido Rangel Dinamarco assinala que é incompatível
com a garantia constitucional da ação popular, no
contexto dos freios e contrapesos constitucionais
equilibrados, a censura judiciária do mérito do ato
administrativo que não seja causador de efetiva lesão
concreta ao patrimônio público.
Referentemente à moralidade administrativa, é
possível se vislumbrar com clareza a hipótese de
ofensa independentemente de resultar lesão ao
patrimônio público. Sob o manto da moralidade
administrativa, são impugnáveis os atos que não
resultam, necessariamente, num esvaziamento ou numa
dispersão de recursos, mas ferem os princípios
orientadores da conduta dos administradores.
Enfatizada a característica e a importância política
do instituto da ação popular, ligada à participação
daqueles que desfrutam dos direitos políticos nos
destinos da coisa pública, fazendo com que cada
cidadão seja um fiscal do bem comum, importa salientar
que a verdadeira cidadania resulta no direito de fazer
valer as prerrogativas que defluem de um Estado
Democrático.
O exercício da cidadania é fundamental, pois sem ele
não se pode falar em participação política dos
indivíduos nos negócios do Estado e mesmo em outras
áreas de interesse público, portanto não há que se
falar em democracia.
_________________________
(*) Advogado e professor titular de Introdução
ao Estudo do Direito, Ciência Política e Teoria Geral
do Estado, Teoria Geral do Processo e Direito
Processual Civil das Faculdades Integradas de Ourinhos
(FIO), Bacharel em Direito pela Universidade Estadual
de Londrina (UEL), Especialista em Processo Civil pela
Universidade de Ribeirão Preto (UNAERP), e Mestre em
Direito pela Faculdade Estadual de Direito do Norte
Pioneiro (FUNDINOPI), em Jacarezinho