Introdução
O objetivo deste trabalho se limita à apresentação da evolução legislativa em relação ao atleta profissional de futebol, que termina este milênio com uma legislação mais adequada ao atual momento social em que vivemos, no qual se busca, de modo efetivo, um maior respeito à dignidade humana do trabalhador.
Esta questão, logicamente, não passa ao largo da Justiça do Trabalho, pelo contrário, será ela a garantia maior de respeito à lei e, por conseqüência, aos direitos inerentes a esta categoria profissional.
Pequena evolução histórica
A Lei nº. 6.354/76 foi a primeira que concedeu maior amplitude às condições de trabalho do atleta profissional de futebol, estabelecendo a necessidade de um contrato de trabalho por prazo determinado, escrito, com duração mínima de três meses e máxima de dois anos.
Esta lei também referendou a questão do passe do atleta, concedendo aos jogadores profissionais de futebol um tratamento diferenciado dos demais trabalhadores, uma vez que o chamado "passe" os vinculava aos seus empregadores. Para melhor entendimento desta situação, é importante ressaltar que o trabalhador urbano, ou mesmo o rural, pode, a qualquer momento, encerrar o seu contrato de trabalho e procurar um novo emprego. Com isso fica claro que o único elo de ligação entre o empregado e o empregador é o contrato de trabalho, podendo este, salvo exceções legais, ser desfeito a qualquer tempo.
Assim, fica o laborista livre para iniciar uma nova relação de emprego perante empregador distinto.
No caso do jogador de futebol isto não ocorre pois o tal "passe" vincula-o diretamente ao empregador, ficando o atleta preso ao clube, muitas vezes sendo tratado como verdadeira mercadoria, quando negociado para uma outra agremiação esportiva.
Outro aspecto da lei se deu em relação a atuação da Justiça do Trabalho. O atleta profissional de futebol, em caso de litígio com seu empregador, teria que se dirigir à Justiça Desportiva , sendo que esta deveria proferir decisão final em um prazo de até sessenta dias. Somente após o esgotamento de todas as instâncias da Justiça Desportiva poderia o atleta ajuizar reclamação trabalhista perante a Justiça do Trabalho. Diante da celeridade e informalidade do foro desportivo, o prazo legal era habitualmente respeitado e os atletas, com receio de uma medida retaliadora de seus empregadores, raramente se dirigiam à Justiça do Trabalho, acatando a decisão final da Justiça Desportiva. Com isso, as federações e confederações, com base no Código Brasileiro Disciplinar do Futebol, criaram, na esfera desportiva, juntas trabalhistas para apreciação de litígios envolvendo clubes e atletas.
A promulgação da Carta Magna, em 05 de outubro de 1988, acarreta novas modificações nas relações supramencionadas, uma vez que em seu artigo 217, parágrafo primeiro, estabelece que o Poder Judiciário só admitirá ações relativas à disciplina e às competições desportivas após esgotarem-se as instâncias da Justiça Desportiva. À primeira vista, o texto constitucional não trouxe nada de novo, se limitando a apresentar, com outras palavras, conteúdo idêntico ao da legislação anterior (Lei nº. 6.354/76). Ao que parece, esta também foi a opinião dos desportistas pois as juntas trabalhistas no âmbito da Justiça Desportiva, independentemente do novo texto constitucional, continuaram a funcionar a todo vapor.
Sabe-se lá porquê, em meados dos anos noventa, a Confederação Brasileira de Futebol, passou a entender que o dispositivo constitucional acima citado, ao se referir às ações relativas à disciplina, vinculava esta aos fatos ocorridos ao longo das competições, excluindo, portanto, os litígios trabalhistas entre atletas e clubes. Assim, as juntas trabalhistas desportivas foram extintas e as reclamações trabalhistas passaram a ser ajuizadas perante a Justiça do Trabalho.
A Lei nº. 8.672/93, denominada Lei Zico, é o primeiro passo, ainda que tímido, para um maior respeito ao atleta profissional de futebol, dilatando o prazo do contrato de trabalho e concedendo ao jogador de futebol uma participação no valor decorrente da comercialização dos eventos esportivos em que seu empregador participa.
A Lei nº. 9.615/98, conhecida como Lei Pelé, traz inovações substanciais para os atletas profissionais de futebol, procurando, dentre outras coisas, libertá-los, do regime de semi-escravidão em que muitas vezes se encontram, impossibilitados de exercer o legítimo direito de ir e vir.
As alterações mais relevantes para os operadores do Direito do Trabalho
A primeira alteração diz respeito à competência da Justiça do Trabalho.
Atualmente, não mais se discute quanto ao local de apreciação dos litígios trabalhistas entre atletas e clubes. Trata-se de competência originária da Justiça do Trabalho quando o litígio envolver atleta profissional e seu empregador. Ressalte-se que a Lei Pelé, em seu artigo 36, parágrafo terceiro, determina que ao completar dezoito anos o atleta deverá ser profissionalizado, sob pena de ficar impedido de participar das competições. Esta mesma lei criou a figura do atleta semi-profissional, com idade entre quatorze e dezoito anos, que se vinculará ao clube através de um contrato formal de estágio. Eventuais litígios entre o atleta semi-profissional e o clube, salvo melhor juízo, deverão ser resolvidos pelo Juízo da Infância e da Juventude.
Registre-se que os juízes do trabalho não tinham por hábito apreciar reclamações trabalhistas entre atletas de futebol e seus clubes, o que normalmente tem produzido algumas dificuldades, seja pela novidade da matéria ou mesmo pelo desconhecimento da legislação específica.
A grande alteração inerente ao atleta profissional de futebol se refere à conquista de sua liberdade, uma vez que a Lei Pelé, expressamente, determina que o vínculo desportivo do atleta com seu empregador tem natureza acessória ao respectivo vínculo empregatício, dissolvendo-se, para todos os efeitos legais, com o término da vigência do contrato de trabalho. Com isso fica claro que após o encerramento do contrato de trabalho o atleta estará livre para desenvolver sua atividade profissional no clube em que encontrar melhores condições de trabalho.
Destaque-se que o legislador, possivelmente por enfrentar pressões das associações desportivas, fixou, inicialmente, um prazo de três anos para entrada em vigor da determinação nupermencionada. Recentemente, com a proximidade do término do prazo de três anos, nova modificação foi introduzida na legislação, com o intuito de dificultar a liberdade profissional do atleta. É possível que novas protelações ocorram, todavia, da maneira como a questão está posta, o atleta profissional de futebol, em futuro não muito distante, terá sua verdadeira alforria.
Outro aspecto inovador diz respeito a uma maior duração da relação contratual, não mais havendo a limitação contratual pelo período de dois anos. Esta modificação pretende dar maior segurança às relações contratuais uma vez que serão fixadas penalidades para a parte que descumprir o prazo contratual.
Com isso, o atleta, que ganha a sua liberdade, terá que ter maior responsabilidade, respeitando o prazo contratual, sob pena de ser obrigado a indenizar seu empregador pela ruptura antecipada do pacto laboral.
Grande destaque deve ser concedido ao conteúdo do artigo 31 da Lei Pelé que concede ao atleta profissional de futebol a possibilidade de rescindir seu contrato de trabalho quando o empregador estiver em mora salarial por um período igual ou superior a três meses. Registre-se que a mora contumaz é estendida aos recolhimentos do FGTS e contribuições previdenciárias.
Esta garantia legal tem permitido que muitos atletas acionem a Justiça do Trabalho com a finalidade de obterem a declaração judicial de encerramento contratual e, em conseqüência, o atestado liberatório para prática da atividade futebolística em uma outra associação desportiva. Já se têm notícias de que tais situações, muitas vezes, operam decisões em sede de tutela antecipada, haja vista a necessidade do atleta conseguir um novo emprego que lhe permita o recebimento de salários.
Conclusão
Diante do que foi anteriormente exposto, é certo que ainda teremos muitas novidades em relação aos direitos pertinentes aos atletas profissionais de futebol, até porque o futebol, a cada dia que passa, se torna mais profissional, tanto em relação aos atletas como também aos dirigentes do desporto em geral.
Assim, é bem possível que em curto período de tempo tenhamos um aumento no número de litígios envolvendo clubes e atletas, o que traz para o operador do direito do trabalho a responsabilidade de acompanhar cada vez mais de perto as inovações pertinentes a este tema.